quarta-feira, 28 de julho de 2010

Daelazar

A cidade de Skan era impressionante. Não era maior que Ilíria mas suas enormes muralhas de pedra a mantinham protegida de ataques das tribos orcs do norte e suas torres imponentes podiam ser vistas ao longe. O grande portão sul era composto por um par de portas de metal com símbolos mágicos em alto relevo. Era aberto somente durante o dia e, ainda assim, sempre havia uma guarda presente ao lado da entrada. Os guardas de Skan eram, em sua grande maioria, goliaths. Todos estavam muito bem equipados e andavam em grupos grandes ou duplas. A cidade era bem cuidada mas não muito organizada, talvez por ter crescido desordenadamente por muito tempo. O fato é que Skan era um bastião de civilização no norte selvagem.

O Cervo Prateado era uma estalagem razoável. Tinha boas acomodações e a comida era ótima. Era frequentada por viajantes de várias partes do mundo e estava com todos os quartos ocupados. Numa mesa retangular no andar térreo, onde funcionava uma taverna modesta, estavam Keyra, Arannis, Soveliss, Ecniv, Adrie e Kubik. Bahamut, o pequeno pseudodragão branco, estava sobre a mesa, devorando os restos de comida dos aventureiros.
O grupo estava em Skan há uma semana. Haviam trocado armas e armaduras coletadas em suas aventuras e estavam agora descansados, bem equipados e prontos para continuar sua busca pelas Sete Jóias. Soveliss havia pesquisado muito desde que chegara à cidade e havia conseguido respostas satisfatórias à maioria de suas perguntas.

A segunda jóia estava em plena vista. Quando Jor o Gentil, voltou para Skan, unificou as tribos que ali viviam e tornou-se o primeiro rei. Sua longa dinastia construiu as muralhas e tornou o lugar seguro para seu povo. O anel com o selo real era a segunda jóia. Apesar de ter sido fácil descobrir sua localização, os aventureiros sabiam que não seria fácil convencer Olmor II, o rei atual, de que estavam numa busca para deter Agrom-Vimak e de que precisavam do anel com a jóia. O grupo analizou diversas formas de conseguir uma audiência com o rei mas a longa lista de espera os faria perder muito tempo em Skan.

Keyra ouviu muitos boatos naqueles sete dias e alguns criaram uma certa espectativa nos aventureiros. Um deles chamou a aatenção de Arannis. Segundo as pessoas da cidade, um enorme dragão estava atacando as fazendas mais ao norte, afastadas dos muros da cidade, e devorando o gado local. Um grupo de aventureiros havia tentado matar a criatura mas foram dizimados. Todos menos um: um tiefling chamado Marglos.
Decidido a conseguir mais informações, Arannis foi até o templo de Avandra na cidade onde Torm, o clérigo local, o levou até a enfermaria onde Marglos estava sendo atendido.
O tiefling estava com a maior parte do corpo queimada e delirava, ainda ardendo em febre. Arannis tentou conseguir informações sobre o dragão mas a única coisa que conseguiu tirar de Marglos foram as palavras "morte" e "gritos".

O paladino retornou até seus amigos com a proposta de caçar o dragão e assim ganhar renome na cidade e conseguir uma audiência imediata com o rei. Todos concordaram. Enquanto Arannis colhia mais informações, Ecniv e Soveliss conversaram com um tiefling chamado Lanasc.
Lanasc era um homem velho e aparentemente experiente. Era um bardo e trabalhava como arauto do rei. Era responsável pela lista de nomes para audiências. Ecniv usou toda a sua lábia para conseguir que o nome dos seus amigos constasse da lista mas Lanasc não garantiu que eles seriam recebidos rapidamente, mesmo depois da morte do dragão.

Enquanto isso, Keyra, fazia seus próprios contatos. Perguntando pelas ruas de Skan, a meio-elfa conheceu Raskon, um gythzerai nada confiável mas que pareceu interessar-se por algumas idéias da ladina. Depois de conversar bastante, Raskon concordou em apresentar Keyra ao líder da associação de ladrões da cidade. Keyra disse que pretendia fazer algumas coisas em Skan e queria permissão para agir no território deles. Ficou acertado que, no dia seguinte, iriam encontrar-se numa determinada taverna e que Raskon a levaria até o líder do grupo.

No dia seguinte, Keyra foi apresentada a Aslom, um meio elfo. A ladina foi levada até uma casa numa área pouco movimentada da cidade por Raskon e, uma vez na casa, encontrou esse homem de cabelos castanhos, roupas caras e maneirismos exagerados. Keyra conversou por pouco mais de dez minutos com Aslom. Ele se mostrou interessado no que a jovem disse, a respeito de invadir o castelo real. Então, acordou que ela teria a permissão para agir, desde que trouxesse algo de alto valor para a "guilda". Aslom então disse exatamente o que queria: a coroa do rei.
Keyra pensou por algum tempo e depois concordou. Raskon então entregou-lhe um saco de couro contendo um pó escuro.

"Lotus negra. Pode derrubar até um dragão. E acredite. Tem alguma fera que eles soltam durante a noite nos jardins do castelo."Disse o gythzerai

Keyra pegou a sacola e um longo canudo de madeira que, segundo Raskon, seria perfeito para manipular o pó em segurança.

Os aventureiros reuniram-se no que poderia ser chamado de praça central da cidade, onde pessoas conversavam ou faziam negócios ao ar livre. Enquanto Arannis e os demais conversavam sobre o caminho que tomariam rumo ao covil do dragão, Adrie notou uma certa aglomeração na praça, ao redor de um goliath. Ela cutucou Soveliss e então todos se viraram para prestar atenção.

"Eu vou matar esse dragão! Vocês não têm porque temer! Eu sou Gamar Matadragões!" Alardeava o goliath de quase três metros de altura.

Gamar era muito alto e muito forte. Tinha inúmeras cicatrizes e tatuagens tribais. Vestia uma placa de metal que cobria apenas o ventre e parte do peito. Usava braceletes cristalinos e um cinturão de ferro com runas anãs. Em sua mão direita, Gamar levava uma grande lança de guerra, toda feita de metal, com runas luminosas. Era claramente um grande guerreiro e parecia estar sozinho.
Depois que Gamar partiu em direção ao portão da cidade, as pessoas se espalharam pela praça novamente.

"Ou ele é um falastrão ou então é muito bom mesmo. Parece estar sozinho de verdade." Disse Ecniv ao voltar, uma hora depois. Ele havia seguido Gamar até uma taverna e observara bem o goliath.

"Bom. Não importa. Ele quer a recompensa. Nós queremos a fama."Disse Soveliss "E precisamos ir logo atrás desse dragão ou Gamar vai fazer o serviço sozinho."

Todos concordaram e, horas depois, estavam nas fazendas ao norte da cidade. Um pequeno grupo de ovelhas pastava calmamente numa colina, observadas por um jovem pastor.

"Bom dia meu caro. Somos a Ordem da Liberdade* e viemos ajudar." Disse Arannis num tom imponente.

"Senhor. Vieram aqui ajudar com o que?" Respondeu o pastor timidamente

"Com os problemas que têm assolado esta região. Ouvimos falar de um dragão."Disse o paladino

"Senhor. O dragão costuma vir do norte. Daquelas montanhas. "Disse o pastor apontando para um enorme cume que se erguía atrás de alguns bosques

"Ouvimos dizer que orcs têm atacado as fazendas também. Onde?"Perguntou Adrie

"Ah senhora. Por favor. Não mexam com os orcs."Disse o camponês nervoso

"Como assim?"Perguntou Ecniv

"Moço, se atacarem os orcs, eles vem aqui matar a gente. Eles são muitos. Muitas tribos mais ao norte. Eles...a gente paga tributo e eles deixam a gente em paz. Mas se vocês os matarem, eles vem aqui."

Os heróis se entreolharam por alguns segundos e então Arannis tomou a palavra. "Como é seu nome, garoto?"

"Loskin senhor. Apenas Loskin."

Arannis tirou uma moeda de ouro e a colocou sobre a palma da mão do camponês. "Nós vamos matar o dragão. Não mexeremos com os orcs, por enquanto. mas vocês ficarão seguros. Somos a Ordem da Liberdade. Lembre-se disso."

Os aventureiros seguiram para a montanha, deixando o jovem Loskin com sua moeda de ouro.

A montanha era ígreme e por toda a subida, a Ordem da Liberdade teve problemas pois Arannis não tinha uma grande habilidade para escalar e em vários momentos quase caiu para a morte. Soveliss teve quase tanta dificuldade. Todos notaram o medo que parecia aumentar no paladino toda vez que tinham que escalar alguma coisa. Era algo que ele não sentia ao enfrentar qualquer outro desafio. Adrie, por sua vez, subia transformada em corvo enquanto Keyra era sempre a primeira a chegar nos pontos mais seguros da escalada.

Muitas horas depois, o grupo chegou até um ponto seguro e Adrie continuou seu vôo para verificar a montanha. Encontrou o que parecia uma grande caverna numa das faces e então viu algo que chamou sua atenção. Um bando de orcs, dez deles, estavam enfrentando Gamar. O goliath não teve dificuldade alguma para matar os dez e este parecia não ter recebido ferimento algum em sua jornada. Gamar então entrou na caverna, enquanto Adrie retornava para contar o que vira.

Depois de algum tempo. Todos alcançaram o cume. O vento era forte na montanha e era preciso gritar para ser ouvido pelos demais. Adrie voltou à forma de elfa e os aventureiros penetraram na caverna com cuidado, sempre usando Keyra como batedora. Dentro da gruta, dois caminhos estavam iluminados por tochas. Um levava para baixo e o outro se mantinha no mesmo nível da entrada. Optaram por seguir o caminho regular. Minutos depois, os aventureiros encontraram um grupo de orcs que não ofereceu um grande desafio. Logo estavam todos mortos.
Por mais de vinte minutos, os heróis seguiram pela caverna até um série de escadas escavadas na pedra. Depois de um tempo, o corredor se tornou um caminho de alvenaria, com arquitetura visívelmente anã.

"Os anões já dominaram o mundo?"Perguntou Keyra "Em todo lugar existem ruínas anãs."

Ninguém respondeu pois todas as ruínas que visitaram tinham milhares de anos e nenhum deles dispunha desse conhecimento. Seguindo pela escada, encontraram uma pequena sala onde um círculo mágico brilhava, com a magia discipando-se mas ainda bem presente.

"Armadilha."Disse Soveliss apontando para a enorme figura de pedra no centro do círculo. Era Gamar Matadragões.

"Se ele caiu numa armadilha dessas, que chance temos?"Disse Ecniv amedrontado, lembrando-se de quando fora transformado em pedra, anos atrás.

"Vamos continuar. O dragão deve estar perto. Posso quase sentir o cheiro dele."Disse Adrie

Depois do último lance de escadas, os heróis chegaram a uma saída. O corredor os levara até uma caverna natural gigantesca, com o teto a mais de quinze metros de altura. Dois grandes pilares naturais pareciam sustentar a caverna e um deles, mais baixo, com dez metros de altura, parecia uma plataforma, quase no centro da enorme gruta. Alguns grandes buracos no teto da caverna permitiam a entrada de luz solar e um, bem maior, teria que ser a porta de entrada para o dragão, segundo Adrie.
Keyra esgueirou-se pela lateral esquerda da caverna, desaparecendo de vista. Então, Adrie apontou na direção de uma grande plataforma no fundo da caverna. Algo parecia brilhar. Arannis sacou sua espada e então chamas surgiram ao longe, na escuridão.
Uma bocarra envolta em chamas abriu-se e os olhos amarelos do dragão brilharam incandecentes.

"Ah...aventureiros! Vieram brincar com o poderoso Daelazar?" Disse o monstro numa voz terrível que reberverou pela caverna inteira. "Vamos...brincar!" Disse mais uma vez o dragão vermelho enquanto sua gargalhada ecoava.
O monstro alçou vôo e chegou rapidamente até os heróis e então, sua boca abriu-se uma vez mais e o mundo tornou-se fogo. Adrie, Arannis, Soveliss e Ecniv desapareceram no meio das chamas enquanto o monstro pairava no ar.

Keyra, na plataforma acima, não conseguia acreditar. Seus amigos não podiam estar mortos.





*Ordem da Liberdade: o nome escolhido pelos aventureiros para seu grupo será explicado com mais calma em outra ocasião.