terça-feira, 24 de agosto de 2010

Biografias: Murmur

Raça: Goliath
Classe: Battlemind
Jogador: Pablo








"Você tem certeza que quer ir embora, Vaicon?"

"Tenho, Skivil. E agora me chamam de Murmur, mana." O Goliath passava a mão distraidamente nas manchas da velha mesa de jantar onde tomara café-da-manhã durante sua infância enquanto respondia. Não havia animosidade por sua irmã usar, novamente, seu nome de infância, apenas uma paciência que parecia infinita.

"E por que é mesmo que te chamam assim?" Skivil mantinha o cenho fanzido enquanto fazia as perguntas para seu irmão. Sua expressão só se amainava quando olhava para o canto da sala, para o pequeno Goliath que dormia sobre um tapete do chão. Quando ela sorria, mostrava os dentes de prata que seu irmãozinho pagara para substituir os que Tarvalat quebrara.

Murmur suspirou antes de contar a estória novamente. "Foi durante meus anos de serviço a Tanstalaha. Viajamos com muitos aventureiros diferentes e começaram a me chamar assim porque eu falava pouco e, quando falava, não levantava a voz. Você sabe que eu gosto de entender as coisas antes de começar a falar, gosto de avaliar a situação. E quando se está rodeado de humanóides pequenos e frágeis, aprende-se a mover-se com cuidado, pegar as coisas com cuidado e falar suavemente."

"Tá certo. E é para esse mundo que você quer voltar? Só faz dois anos que você voltou. Você não quer estar aqui para ver o Maigai se tornar um homem?"

"Eu volto Skivil, eu prometo. Eu quero ver o Maigai virar um homem, mas quero ter histórias para contar para meu sobrinho. Quero conhecer Ilíria. Você acredita que em cinco anos de peregrinações nunca visitei aquela cidade? Quero enfrentar - e derrotar! - um dragão. Quero cruzar o mar e encontrar um tesouro de piratas."

"Você é uma criança, Vaicon!" Skivil protestou mais alto, mas sem amargura, apenas um leve sorriso tolerante para o irmão que ajudara a criar.

"É Murmur," o jovem repetiu pacientemente e com um sorriso largo ao imaginar suas aventuras futuras.

"Você está indo encontrar Tanstalaha?"

"Não!" O nome drenou toda tranquilidade de Murmur de uma vez. "Eu já te disse que não quero nada com ela. Eu não tive nada com ela, apesar do que você acha. Já falei isso várias vezes. Ela me ensinou o Caminho, apenas. Ela era minha instrutora. Ela tinha mais de cinquenta anos, Skivil!"

"Sei! Ela era uma Meia-Elfa. Se fosse humana, não pareceria mais de vinte e dois. Você sabe que sempre tem algum homem caçando uma elfa bonita, mesmo se ela for octagenária. É um absurdo essas mulheres não aparentarem a idade. E aquela Tanstalah era bonita, não tem como você negar."

"Ela era linda, sim. Mas era fria. E traiçoeira. Não sei se eu volto a confiar em alguém com sangue de fada um dia. Eu precisei da ajuda dela e confiei nela. Servi como combinado por anos, mas no fim ela me traiu, Skivil."

"Você disse que não tinha certeza."

"Não tenho certeza, é verdade. Mas meu instinto me diz que ela me traiu. E eu tenho os buracos de memória. Ainda não sei direito o que aconteceu no Feywild. Não sei como desapareceram as memórias."

"Dizem que tem fadas que compram ou roubam memórias."

"Sim, e eu sei," Murmur falou com uma certeza assutadoramente fria, "que um psiônico habilidoso pode fazer o mesmo."

Skivil sentiu um calafrio ao ouvir aquilo. Ela não queria que seu irmãozinho saísse de Skan novamente. Ela o queria por perto, ajudando, protegendo e sendo guiado. Mas quando ele a lembrava dos aspectos mais sórdidos de seu treinamento, ela sentia receio de o deixar perto do filho. O olhar que ela lançou para o pequeno Maigai, deitado no tapete com um polegar na boca, não foi de tranquilidade, mas de medo.

"Eu não queria voltar no assunto, Skivil, mas eu precisei dela. Quando ninguém mais acreditava em mim, Tanstalaha confiou, acreditou, investiu."

"Eu acreditava em você, Vai. Eu achava que você ia ser grande."

"Um grande aprendiz de cervejeiro, né? Eu não queria ser cervejeiro, nem coureiro como o papai. Eu queria ajudar Skan, lutar na muralha, coordenar tropas ou, no mínimo, vasculhar os arredores além dos portões com os Wardens e Rangers. Eu queria um trabalho do qual um Goliath pode se orgulhar." Murmur se recordava, com amargura, de suas diversas tentativas de se demonstrar digno de ser membro da guarda. Quantas provas ele fizera, quantas manhãs dedicara a correr em torno da cidade, ouvindo histórias de tática militar, tentando aprender os nomes de bichos e plantas. Mas nada fora o suficiente. Murmur - Vaicon, na época - era fraco demais, lento demais e desajeitado demais para ser um guerreiro, um Warden ou um Ranger. Nem como oficial - Warlord - ele servia. Vaicon não era pouco inteligente, mas faltava-lhe conhecimento e uma mente ágil. Suas únicas qualidades, na época, eram sua determinação e resistência. "Tanstalaha me conheceu no Barril, quando eu estava fazendo uma entrega de cerveja. Ela tinha paciência e era uma excelente ouvinte - os Meio-Elfos têm essa fama - e demonstrou interesse pelos meus problemas." Era claro que Skivil achava que havia mais que aquilo na história, mas não se atreveu a interromper o irmão. "Tansalaha me convidou a segui-la como aprendiz. Eu tive muitas dúvidas-"

"E aceitou! Partiu no meio da noite, sem se despedir!"

"Eu deixei uma carta, Skivil," disse Murmur em tom de desculpa.

"Uma carta que papai não sabia ler. Eu tive que ler para ele e ele não quis acreditar. Li três vezes para ele na manhã seguinte. E de novo e de novo a cada dia que você não veio por uma semana. E depois novamente a cada semana. No seu aniversário, todo ano, eu li a carta para papai."

"Eu não vou fazer isso de novo. Por isso estou conversando com você aqui hoje à noite."

"Para que eu conte para papai amanhã de manhã que você partiu de novo e que não se sabe quando você vai voltar?"

"Não, eu mesmo vou falar com ele amanhã." Mas, pensou Murmur, ele não vai ser tão difícil como você. Murmur sorriu para a irmã em silêncio, esperando que ela acreditasse. "Eu precisava ir daquela vez," uma pausa. "E preciso ir novamente. Daquela vez era para encontrar meu caminho - para deixar que Tanstalaha me ensinasse o Caminho - e dessa vez é para trilhar o caminho que encontrei."

Skivil olhou para o irmão e tentou conciliar o que ela via com o que sabia que estava ali. Desde muito cedo Vaicon desejava a honra de proteger Skan, de empunhar uma lança e vigiar a muralha da cidade. Mas seu irmão parecia - sempre parecera - terrivelmente inapropriado para tal serviço. Seu rosto era aberto e simpático, sorrindo facilmente para os amigos, não tinha nada da brutalidade da guerra. Ele era pequeno - muito pequeno - tendo sido criado em um dos períodos mais difíceis que a família encontrara, magro - seco! Skivil lembrava do irmão chorando ao voltar de alguma prova para ingressar na guarda, não tendo conseguido passar das primeiras eliminatórias, incapaz de escalar tão rápido quanto os outros, incapaz de arremessar uma lança suficientemente longe, incapaz de carregar um companheiro ferido por longas distâncias. Para os avaliadores, não era suficiente que ele aguentasse uma noite inteira de exposição ao frio, sem dormir, que corresse toda manhã por duas horas ou que podesse se abster de água e comida por mais tempo para compartilhar com os companheiros, era necessário ser resistente e forte.

A despeito da aparência - e das lembranças - Vaicon se tornara um defensor mais que qualificado. Skivil não queria pensar demais no que a Meio-Elfa lhe ensinara - nem como - mas ela sabia que Vaicon aprendera a buscar forças dentro de si, de moldar o próprio corpo e a dobrar a realidade. Sua irmã o vira levantar uma carroça carregada para ajudar um cliente de seu pai. Com alguns instantes de concentração os braços magros incharam com músculos que não estavam aparentes segundos antes, suas costas se alargaram, sua pernas chegaram descosturar um pedaço da calça que usava. Após o intante de auxílio, Vaicon parecera encolher e voltar a ser o garoto desengonçado que ela lembrava. Aquilo a assustara. Não era natural, não era uma dádiva dos espíritos nem fruto do trabalho duro. Parecia alguma feitiçaria malsã, mas Skivil sabia que era pior, eram aqueles truques insidiosos que Tanstalaha lhe ensinara. Skivil sabia que seu irmão não estava totalmente corrompido, sabia que ele ainda era bom. Ele era prestativo e honesto. Gostava de ajudar e nunca abusava daquela força formidável que ele era capaz de invocar de dentro de si. Na verdade, Skivil só o vira usar violência uma única vez. Apenas quando foi buscá-la na casa de Tarvalat. Skivil ainda não sabia o que sua irmã e seu pai tinham dito para Vaicon, mas ele chegou à casa vermelho, com as veias pulsando. Ele tentara manter-se calmo e composto, mas Tarvalat o desafiara, se recusara a atender às suas exigências. Vaicon tinha decidido que ela não ficaria mais vivendo em cativeiro com o marido - um bruto violento - com o filho como refém. Skivil, na época, não sabia bem se queria ficar ou ir, mas quando ela viu Tarvalat atiçando Vaicon e depois desafiando-o, dizendo que era muito pequeno para tentar qualquer coisa, ela vira Vaicon invocar essa energia que ele têm dentro de si, crescer, inchar e mover-se em direção ao marido. Na verdade, Skivil não vira Vaicon mexer, apenas o vira levantar o punho ainda longe de Tarvalat, no próximo instante, ele já estava a menos de um metro de seu estatuesco marido e desferindo o soco com os nóduos dos dedos diretamente na garganta de um dos guardas do portão. Tarvalat não se levantou até que Skivil tivesse pego todos seus pertences, embrulhado Maigai em um cobertor e acompanhado um Vaicon encolhido e silencioso até a casa da família.

"Está certo," Skivil concede finalmente. "Eu não posso segurar você aqui. Para onde você vai? Você já sabe?"

"Não, não sei. Vou sair. Pegar a estrada e procurar meu rumo."

"Você não quer esperar alguma caravana saindo para acompanhá-la?"

"Skivil, você sabe quão poucas caravanas saem de Skan. Seria uma boa oportunidade, é claro, mas não quero esperar. Queria sair amanhã ou depois ao mais tardar."

"Você vai viajar sozinho?" Skivil pergunta, incrédula. "Você não pode viajar sozinho, Vai! As montanhas são muito perigosas. A gente ouve cada história mais terrível que a outra. Orcs! Dragões!"

"Eu não vou viajar sozinho sempre, mana. Não é seguro. Todo mundo sabe. Mas talvez, no começo, eu viaje um pouco sozinho."

"Para que tanta impaciência irmão?"

"Skivil, não é impaciência. Eu passei muito tempo pensando nisso. Eu tracei uma rota, anotei a frequência dos ataques. Se ninguém for cutucar Daelvar ou os orcs, eu tenho como evitá-los. De qualquer forma, eu acho que vou para o Sul."

"Sul?" Skivil perguntou, desconfiada.

"Sul! Tem muita coisa no Sul. Não é só a terra da Tanstalaha. Será que você pode parar de achar que tudo se resume a ela?"

"Está certo."

Murmur sente a tensão no ar. Skivil ainda está nervosa. Ainda está pensando em Tanstalaha. Como fazê-la entender que ele não quer nunca mais ver aquela mulher? A Meio-Elfa era praticante da filosofia do Caminho e da Vontade, uma arte incomum, quase desconhecida, de meditação e auto-conhecimento que permitia a alguns poucos dotados do potencial, força de vontade e dedicação a desvendarem aspectos de suas mentes que permitiam-lhes dominar o próprio corpo e mente assim como o espaço ao seu redor, o tempo e até corpos e mentes alheias. Ela aceitara - ela propusera? - tomar Murmur, ainda chamado de Vaicon, como aprendiz em troca de serviços. Por três anos Vaicon viajou com a meio-elfa, servindo como aprendiz, isto é, limpando armas, pondo a sela em montarias, escovando os cavalos, carregando água, vigiando a entrada de tavernas e cavernas, traduzindo, anotando, cozinhando e costurando. Mas Tanstalaha fez o que prometeu e treinou Vaicon corretamente, ensinando-lhe a usar sua paciência e determinação de forma transcendente, de ter uma fé tamanha em sua habilidade que a realidade se dobrava a ela. Vaicon aprendeu que, com suficiente convicção, não era preciso velocidade para escorregar sua espada na falha da guarada de um oponente, nem de força para girar o machado com tal força que o escudo de um adversário, bastava determinação, paciência e resistência o suficiente para deixar os golpes choverem sobre sua couraça até que uma brecha se apresentasse ou que o adversário fraquejasse.

Depois da iniciação, Vaicon ainda serviu Tanstalaha por dois anos como pagamento pelo treinamento. Foram muitas aventuras e muitos riscos - alguns desproporcionais - por poucas recompensas (concedendo 80% de seus ganhos àquela que o treinou). Vaicon parou de carregar água e cuidar dos cavalos para pular na frente de crocodilos feéricos, agarrar demônios de espiral rúnica e distrair orcs ferozes. Ao final do período, os caminhos de Vaicon e de Tanstalaha se separaram e não em bons termos. Uma visita ao Feywild levou-os a uma emboscada organizada por Fomori e Vaicon teve razões para acreditar que sua instrutora o levara a encarar a emboscada propositalmente. Ele chegou a entrever Tanstalaha fugindo com o tesouro dos Fomori, conscientemente deixando-o para trás. O jovem Goliath só escapou da cilada por pura sorte e a muito custo. Ao voltar para o mundo físico, ele decidiu que aquela emboscada reduzia seu tempo de serviço em três meses e ele já estava livre. Não procurou Tanstalaha e não sabe como reagiria se a encontrasse novamente.


Após cinco anos de ausência, Vaicon retornou a sua cidade natal como um Goliath mudado. Ao longo de suas viagens, o jovem adotara o nome, Murmur. Ele não tinha mais a insegurança e sede de aceitação de sua juventude. Murmur foi aceito na guarda da muralha sem muito esforço, um posto que almejara por toda a infância, mas a aceitação em sua família não foi tão simples.


A família de Vaicon não estava tão feliz em receber Murmur quanto ele esperava. Aqueles anos todos sem o apoio do filho foram anos difíceis para seu pai e duas irmãs. A mãe falecera no segundo inverno após sua partida e o dote para a irmã mais velha fora pouco e implicara em um casamento desastroso. Ademais, Murmur não voltou nem com tanta fama ou fortuna quanto prometera. O primeiro ano após seu regresso foi difícil para Murmur, lembrando-lhe as dificuldades por aceitação que Vaicon sofrera junto aos jovens membros da guarda. Com muito esforço e dedicação, no entanto, os olhares hostis se tornaram mais amigáveis, Murmur ajudava a pagar pela criação do sobrinho que agora vivia na casa do pai do Goliath, ajudara a consertar a oficina do pai após um incêndio e participara dos esforços de arrecadação de recursos para o dote do casamento de sua irmã mais nova.

Para tentar apaziguar a irmã, ele muda de assunto e a faz falar.

"Sobre os orcs, o que mais você ouviu?"

"Ouvi dizer que o rei, o próprio Olmor II, está preocupado. Muitas vilas foram atacadas, muitos escravos foram levados."

"É lamentável, irmã, mas orcs fazem isso mesmo. Atacam, pilham e, de vez em quando, levam um ou outro prisioneiro."

"Dessa vez é diferente. São muitos ataques e muitos prisioneiros. Dúzias. Centenas talvez."

"Centenas, Skivil? Isso é impossível. Mesmo dúzias seria improvável. Seria necessário muita organização, muita coesão entre os orcs para fazer ataques desse tipo. E os orcs lutam tanto entre si quanto conosco."

"Foi o que eu ouvi."

"Se for verdade, a situação é mais séria. Mas não deve ser assim. Bom, se isso pode fazê-la sentir-se melhor, eu prometo perguntar a respeito amanhã. Se estiverem mesmo acontecendo esses ataques incríveis, não vou deixar Skan em um momento de necessidade como esse. Prometo ajudar, pode ser? Fico até resolver o problema dos ataques de centenas de orcs."

Murmur sorri, achando que encontrou uma tarefa fácil de resolver - imaginária até - antes de partir, para poder deixar a cidade com as bênçãos da irmã. Skivil sorri de volta, acreditando que encontrou uma tarefa impossível - infinita até - para Vaicon resolver antes de deixar a cidade.

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